Olá, queridagem,
Mais uma vez começo a escrever desejando que você esteja bem. Tá difícil, tá puxado, mas a tarefa é seguir em frente. Aqui no mandato, o gabinete na Câmara continua fisicamente fechado, mas a gente tá atuando como nunca, lidando com a falta de vacinas, lutando pela renda básica, nos solidarizando à luta contra os despejos. Muito do trabalho, é verdade, tem haver com a pandemia. Mas nem tudo. Uma das principais razões de ser da minha empreitada na política é reduzir a distância entre a população e os espaços de decisão na política e é sobre isso que hoje eu queria falar a partir do exemplo da Vila Nossa Senhora de Fátima, que fica na Imbiribeira e que tenta a todo custo demover a prefeitura do Recife da ideia de realizar uma obra que fará com que quase 2 mil carros passem por dentro da comunidade para ter acesso à loja da Ferreira Costa, num novo acesso que seria criado para o empreendimento.
Esta semana, moradores e moradoras participaram de uma audiência pública realizada pelo nosso mandato. Vi com alegria as vizinhas ocupando no plenário virtual o mesmíssimo espaço que demos à prefeitura e até à Ferreira Costa, que se mostrou interessada em participar da discussão e de um grupo de trabalho que foi criado a partir da reunião. A partir da próxima semana, todo mundo vai se reunir e rediscutir o projeto, num esforço de se tentar conseguir uma saída de consenso que garanta a segurança viária do lugar, sem que haja prejuízo para a comunidade. Entro conversa com lado definido: estou com as pessoas que vivem na Vila. Entendo que a paz, a tranquilidade e a vida comunitária que há por lá é muito (muito!) mais valiosa que uma entrada para um empreendimento que pode muito bem ser feita em outro lugar, de outra forma.
No início do ano, a turma da Vila bateu na nossa porta virtual, a partir das redes sociais. Essa comunidade que teve sua origem vinculada à ação de Dom Hélder Câmara, há décadas, anda incomodada com a possibilidade de uma intervenção urbana que a prefeitura deseja realizar “no seu quintal”. Pretende a gestão do PSB ‘esticar’ a Rua Jacy, perpendicular à Vila, em cerca de 200 metros, passando por cima de uma lanchonete e uma área que pertence à arquidiocese. O objetivo seria “desafogar” o trânsito na Mascarenhas de Moraes criando um acesso à loja pela sua lateral ao invés do acesso pela principal avenida da Imbiribeira, onde foi corretamente instalada uma faixa expressa para transporte público. O “conflito” causado pela faixa azul, alegam a prefeitura e a empresa, tem causado frequentes acidentes no local.
A área em disputa, onde hoje também há um estacionamento, sempre foi utilizada como área comum. Batizados, casamentos, festas de aniversário de muitas pessoas que vivem na localidade acontecem por lá. A vila é tranquila, tem apenas uma rua estreita, quase todas as casas ficam do mesmo lado, quase não há passagem de veículos. É um lugar daqueles em que a vizinhança se sente à vontade para botar cadeiras no meio da rua e conversar no cair da tarde. Uma segurança que pode estar em risco caso se transforme em passagem para carros.
Para tentar impedir esta obra, a comunidade se organizou. Procurou a arquidiocese e conseguiu que a Comissão de Justiça e Paz, ligada à igreja, entrasse na justiça para impedir a desapropriação do terreno que lhe pertence. Apenas a desapropriação da área custaria aos cofres públicos quase 300 mil reais. É esta ação que tem, até agora, impedido o início da intervenção que ainda não tem licitação feita, contrato assinado, nada. Ou seja, pode ser suspensa ou cancelada a qualquer momento, a depender da decisão da prefeitura. A comunidade entende que, se há de fato a demanda pela abertura de um novo portão para a loja, esta entrada poderia ser feita na Avenida Sul ou mesmo na rua José da Silva Lucena, mais larga.
Na audiência pública, que durou cerca de duas horas, nenhuma das partes abriu mão do que veio defender. Mas defenderam, em igualdade de condições, em conversa oficial, gravada, registrada no portal da Câmara e em ata que será publicada no Diário Oficial do Município.
A prefeitura e a empresa insistem que, para a cidade, o melhor lugar para a nova entrada é mesmo por dentro da comunidade. Sugerem medidas mitigatórias como lombadas, argumentam que a intervenção vai trazer mais segurança para a vila, que vai valorizar a área. As representantes da vizinhança discordam. Têm argumentos que vão desde a ancestralidade (pois chegaram no local antes da loja e têm vínculos afetivos com a área) até a preocupação com a sobrevivência das famílias que trabalham na lanchonete que seria desapropriada.
De fato, não é de se estranhar o grito das famílias que não querem ser incomodadas. Nem a insistência da vizinhança em manter seu estilo de vida e preservar uma área que é considerada comum num bairro com raros espaços públicos de convivência e lazer. Por mais que se compreenda a necessidade de uma nova entrada para o importante empreendimento, eu acredito que, para a gestão pública, a prioridade no uso dos recursos que pertencem a todo mundo precisa ser sempre o bem estar da comunidade.
Estar do lado da vizinhança, como alegremente estou, não é estar contra a necessidade de se organizar melhor o trânsito muito menos assumir postura antagonista ao empreendimento que só na Imbiribeira emprega cerca de mil pessoas. É compreender que, se é que existe uma “disputa” de projetos, a prefeitura não pode simplesmente ouvir o lado historicamente mais poderoso deixando de levar em conta sua tarefa de garantir o bem viver e o direito de escolha de quem pode até ter menos dinheiro. Mas que tem direito igual.
Ivan Moraes.