O indiciamento de Jair Bolsonaro pela Polícia Federal, seguido da divulgação da investigação que desvenda detalhes do plano golpista com a participação da alta cúpula das Forças Armadas, embora possa ter chocado muita gente, não surpreendeu. Não é de hoje a suspeita (certeza?) de que o ex-presidente conspirava contra a democracia antes mesmo de perder as eleições em 2022.
A grande novidade, porém, é a forma inédita como a PF parece agora buscar a responsabilização de graduados oficiais desacostumados a prestar contas ao poder civil.
Quanto mais se sabe dos fatos que ocorreram após a vitória de Lula naquele ano, mais nos certificamos que só não houve ruptura institucional por falta de apoio popular e internacional. Também é verdade que não havia consenso no alto comando, inclusive pelos motivos já citados. Mas o próprio fato de um golpe ter sido debatido na instância mais poderosa das instituições que controlam o uso da força bélica do país já coloca todos sob suspeita. E isto é uma oportunidade.
A verdade é que as Forças Armadas nunca se desvencilharam do poder e parecem viver - com o perdão da citação de um dos maiores motores da desinformação nacional - num Brasil Paralelo. Têm sua própria previdência, sistema de saúde e uma formação educacional em que se aprende, entre outras coisas, uma história bem diferente do que se ensina aqui do lado de fora. Sempre à espreita, de uma forma ou de outra, buscando tutelar o poder civil e tirar vantagens dele, como apresentam bem livros como “Poder Camuflado”, do pernambucano Fábio Victor; e “República da Segurança Nacional”, de Rodrigo Lentz.
A exposição pública da forma como parte desses comandantes tratam a República coloca todo esse lixo na rua e dá para a sociedade agora a chance de revogar privilégios e buscar adequar as nossas ainda necessárias Forças Armadas às dinâmicas da vida democrática. Um imprescindível começo é a tão necessária reforma do currículo das escolas militares. Quem é formado na perspectiva patriarcal e teocrática como nossos cadetes, dificilmente se tornará um oficial que respeita os Direitos Humanos em sua visão mais contemporânea.
Passou da hora de a sociedade se levantar contra uma casta que não pode mais permanecer ultrapassada, inclusive diante do seu papel mais pertinente, que é o de garantir a segurança do país contra agentes externos. Pode parecer ousado, num tempo em que se aumenta o número de escolas cívico-militares, a gente falar de “civilizar” os conteúdos que se ensinam nas escolas do Exército, Marinha e Aeronáutica. Mas se a gente quiser ainda continuar sonhando em democracia, é preciso começar logo.
Edição: Vinícius Sobreira /Brasil de Fato Pernambuco