Recife, 03 de março de 2020.
Tudo em ribas? Espero que essa cartinha te encontre bem e que você tenha a oportunidade de dividi-la com parentes, amigos e amigas, especialmente se você recebeu pelos Correios.
A vantagem do papel escrito é que dá pra andar com ele pra todo canto. Dobradinho dentro do bolso, num livro (em que também serve de marcador), ou na mochila. Rola marcar, riscar, tirar cópias, mandar pra a galera…
Que tal escrever de volta com suas sugestões, questões e puxões de orelha? Tá valendo, viu?
Hoje eu queria bater um papo sobre a tribuna da Câmara. A tribuna é aquela espécie de púlpito que fica lá em cima do plenário, de onde saem a maioria dos discursos de todos os vereadores e vereadoras. Como sou comunicador por profissão e por amor, você já deve imaginar que uma das minhas tarefas preferidas é subir lá para colocar a posição do mandato sobre tudo o que é tema.
Não vou mentir, dessa parte eu gosto mesmo. Mas não é só por tagarelice. Como muitas das coisas que a gente defende ainda são tabus no debate político formal, às vezes é difícil ficar calado quando o bicho pega. E, convenhamos, o bicho anda pegando demais.
Aqui no mandato, sempre que a gente resolve contar, descobrimos que eu sou o verea que mais ocupa a tribuna nas sessões ordinárias (que acontecem de segunda a quarta, sempre às 15h). Somente até julho do ano passado, eu já havia soltado o gogó nada menos que 211 vezes. Como o mandato da gente é meio “clínica geral”, é difícil achar um tema que eu não tenha ainda levado ao debate.
Já falei (muuuuuuito) sobre política de drogas, sobre a necessidade de se universalizar a atenção primária à saúde na cidade, prevenção à violência, sobre a falta de políticas de cultura dessa gestão, sobre direitos humanos, falta de vagas na educação, comunicação pública, acessibilidade, moradia, uso de espaços públicos na cidade, comunidades tradicionais pesqueiras, comércio popular, iluminação, orçamento público…
A ideia, normalmente, é chamar a atenção do restante do parlamento, do poder executivo e da sociedade para questões que a gente considera importantes. Alertar a base do governo para coisas que precisam ser mudadas, relatar ações de fiscalização, encaminhamentos de audiências públicas, denúncias.
Mas eu não falo somente da pauta municipal. De vez em quando trago temas da política nacional ou estadual, buscando relacionar os impactos que essas questões podem trazer para nossa cidade. Durante todo o segundo turno das eleições presidenciais de 2018, por exemplo, fiz questão de falar todos os dias, denunciando as intenções autoritárias do candidato que liderava as pesquisas e que se tornou presidente. Conclamava todas as forças democráticas, de todos os campos do espectro político, a unirem-se pelo bem da República. Como se pode ver, não tive sucesso na época (falei quase sozinho), mas a tarefa foi cumprida e a luta continua.
Tirando as sessões solenes, quando pessoas homenageadas e convidadas podem usar a palavra, a tribuna só pode ser ocupada por vereadores e vereadoras.
Bem que podia ser diferente. O vereador Jayme Asfora (sem partido), por exemplo, tem um Projeto de Lei (que eu apoio) que cria a Tribuna Popular. Idealizado originalmente pelo falecido vereador (por 10 mandatos!!) Liberato Costa Júnior, o dispositivo possibilitaria que pessoas da sociedade civil pudessem se inscrever para, em algumas sessões, também se dirigirem ao parlamento. Mas por enquanto é só a gente mesmo. Até já fizemos umas “trelas”, colocando vídeo de pessoas que gravamos numa tribuna improvisada. Mas o tamanho da tela disponível e a qualidade do áudio não facilitaram o entendimento do restante da vereança.
A tribuna pode ser usada em diversos momentos. Os mais comuns são no pequeno e no grande expediente. Em cada uma dessas ocasiões, cinco parlamentares podem inscrever-se.
No “pequeno”, que acontece antes das votações da ordem do dia, as falas são de cinco minutos e não podem ser interrompidas. No “grande”, depois das votações, o tempo é de 15 minutos, podendo o orador (ou oradora) conceder apartes de até três minutos. Qualquer item da ordem do dia (requerimentos, projetos de lei ou de resoluções) também pode ser destacado para discussão com um tempo de 10 minutos.
No início não era muito fácil adequar o discurso pensado ao tempo regimental.
Na primeira vez em que falei, logo na primeira sessão da legislatura (agoniado, ele?), eu vi que o cronômetro corria e não ia dar. Comecei a acelerar a fala, feito um locutor de corrida de cavalos. Engoli palavras, foi uma tragédia. Mico danado.
Também já fui criticado por excesso de informalidade, como na vez em que eu me referi ao prefeito do Recife como “o cabra”.
Hoje acho que já peguei a manha.
Pra se referir a outro vereador, tem que ser “vossa excelência”, por exemplo. Também aprendi que é sempre bom referir-se a um/a ou outro/a parlamentar que esteja no plenário, pra tentar chamar a atenção para alguma parte do discurso ou mesmo para reduzir o burburinho tão comum (e às vezes demasiado) das nossas casas legislativas.
Normalmente eu falo de forma espontânea, após ter estudado o assunto com a ajuda da turma que trabalha comigo. Ler, ler mesmo, só quando me sinto fora do meu ‘lugar de fala’.
Discursos sobre a pauta feminista, por exemplo, recito-os respeitando o texto redigido pelo setorial de mulheres do mandato (metade do gabinete é do gênero feminino). Quando a pauta é sobre a população negra, quem escreve é o coletivo de negritude e eu procuro reproduzir (e creditar) fielmente. Em algumas ocasiões, leio posicionamentos e notas públicas de sindicatos, associações, grupos comunitários, coletivos de lutas por direitos. Na campanha, a gente dizia que queria fazer a cidade ter mais voz, então o trampo é esse mesmo.
Claro que todo discurso que faço em nome do mandato é importante pra a gente. Mas alguns desses pronunciamentos ficarão marcados na minha memória para sempre.
Como da vez em que eu usei uma máscara do prefeito para denunciar a apreensão criminosa de fantasias da Troça Empatando Sua Vista no Carnaval de 2017. Ou, em setembro daquele mesmo ano, quando fiz uma intervenção inteira em libras, sobre os direitos das pessoas surdas.
Foi a primeira vez na história do Recife (talvez do Brasil) que um parlamentar discursou numa tribuna usando a Língua Brasileira de Sinais. Em abril do ano passado, contei lentamente (e emocionado) até 80 antes de repudiar o assassinato de um jovem músico pela polícia do Rio de Janeiro, lembrando a quantidade de tiros que sofreu. No mês seguinte, fiz uma fala apenas com notícias boas que recebi de diversas pessoas pelas redes sociais.
Todas as sessões ordinárias são abertas ao público e à imprensa.
Também são transmitidas ao vivo pela TV Câmara, que, embora já tenha concessão para ocupar um canal aberto na televisão, está só na Internet. Todos os discursos na tribuna também são editados e postados nas redes sociais da Casa.
Quando tiver um tempinho, dá uma bulida por lá e procura saber sobre o que (e como) teus empregados e empregadas andam falando.
Depois me conta o que achou?