Recife, 16 de Março de 2020.
Bom dia, boa tarde ou boa noite. Ouvi dizer que os Correios não são mais aqueles. Sucateado nos últimos anos, a empresa que um dia já foi a instituição mais confiável do Brasil não anda bem das pernas. Descaso do poder público, ameaça de privatização que não é de hoje. Uma carta simples como esta era bem baratinha pra mandar e chegava com 24h. Hoje nem mais é tão baratinha, nem chega tão rápido. Mas vamos insistindo. Um efeito “colateral” das cartas é fazer a gente lembrar da importância dessa empresa tão estratégica pra a nossa cidadania e desenvolvimento. Sendo assim, se puder, vê se rola dar uma postada nas cartas quando você recebe. Bora dar um alô pros carteiros e carteiras e dizer que a gente tá fortalecendo a luta dessa galera?
Hoje eu queria contar uma das histórias mais legais do mandato. E que começa antes mesmo de eu começar, quando conheci, durante os processos do #OcupeEstelita, a galera que faz o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal, o Sintraci. Na época (2014), lutavam pela regulamentação de seu trampo aqui na cidade e pelo reconhecimento do poder público. Em 2016, lançaram, na chapa do PSOL, uma candidatura a vereador, do querido Severino Alves. Candidatura esta que foi imprescindível para a conquista do nosso mandato. Belotto, que tem uma barraca bem conhecida pelas bandas da UFPE, havia me perguntado antes: “Ivan, qual é a proposta de vocês para o comércio popular”. Fui rápido: “É a de vocês”.
Não era enrolação. A principal ideia de se construir um mandato como nosso era justamente a de poder trabalhar, na institucionalidade, os temas e pautas das pessoas, coletivos e movimentos que lutam por direitos.
Começando o mandato, nos aproximamos ainda mais. Realizamos audiências públicas sobre o comércio no entorno de hospitais, sobre a perseguição às pessoas ambulantes. Nos primeiros encontros, a prefeitura não estava muito, digamos, amigável. Convocado, o secretário de Mobilidade e Controle Urbano, João Braga, disse com todas as letras que naquele momento não reconhecia a legitimidade do Sindicato para representar a categoria. Preferia, como ele dizia “negociar diretamente” com as pessoas. Especialmente quando se fala em poder público, é uma prática perigosa. Dialogar com instâncias representativas, como sindicatos, legitima a conversa, protege a prefeitura e dá transparência aos encaminhamentos. Seguimos lutando.
Quando a gente soube que as obras da Conde da Boa Vista iriam começar, foi um susto. Já fazia meses que a gente ouvia falar que a Prefeitura teria um projeto para a avenida. Mas dividir com a população necas. Nem mesmo com o poder legislativo se conversou sobre o projeto antes de ele sair do papel. Mesmo com a gente tendo feito pedidos de informação, não chegava nada. A gente queria saber antes, sugerir, pitacar, ouvir mais gente. Até porque nos interessam muito as pautas da mobilidade, da acessibilidade e, naturalmente, do comércio informal. A primeira notícia veio pelos jornais: ambulantes iriam sair das calçadas e apenas 40 teriam espaço para trabalhar em quiosques. A turma do Sintraci, com razão, se aperreou. A gente precisava fazer alguma coisa logo.
Depois de uma breve reunião na Prefeitura, ao lado das Juntas CoDeputadas (PSOL), conseguimos adiar por uma semana o início das obras para que as pessoas que trabalhavam no primeiro trecho a ser atingido tivessem tempo de se organizar. Depois disso, sempre ouvindo o Sindicato, decidimos como iríamos atuar. Para convencer o poder executivo que o comércio popular precisaria de mais espaço, precisávamos qualificar nossa fala, conhecer melhor a realidade dessas pessoas e impacto econômico que esta cadeia produtiva tem na nossa cidade. Resolvemos, assim, realizar uma pesquisa socioeconômica para saber direitinho do que é que a gente estava falando.
Durante um mês, nossa equipe subiu e desceu a Conde em vários horários, conversando individualmente com todo mundo que trabalhava no comércio informal. As descobertas foram potentes: havia mais de 300 pessoas que viviam desta atividade, gerando uma economia de R$ 4,5 milhões todos os anos. Mais de 70% das mercadorias eram adquiridas originalmente no comércio formal do centro da cidade - três dados que fazem a gente perceber a importância da manutenção desse sistema que alimenta mais de 1.000 pessoas todos os dias.
De posse desses dados, articulamos também a Universidade Católica de Pernambuco, através do departamento de Arquitetura. A Unicap havia sido contratada pela Prefeitura para idealizar o “Plano Centro Cidadão”, uma proposta urbanística para todo o centro expandido, que incluía a Conde. A gente queria saber se, junto com o Sintraci, a galera da academia não poderia propor maneiras de caber todo mundo – ou o máximo possível de pessoas – numa das avenidas mais importantes do Recife. Assim foram realizadas diversas oficinas com a participação de professoras, estudantes e ambulantes para se pensar em soluções.
Em paralelo, o Sintraci organizou uma semana de mobilizações que culminaria com uma audiência pública convidada pelo nosso mandato e realizada na Câmara Municipal, para que novos encaminhamentos pudessem ser tomados. E assim aconteceu.
A audiência foi uma das mais legais que já fizemos. Tantos dados, tantas informações, tantas conexões valeram muito a pena. Depois de uma manhã de conversa, teve início uma sequência de encontros entre nossos mandatos, Prefeitura, Sintraci (que pela primeira vez foi legitimado pelo poder executivo), Unicap e, chegando junto, o FabLab, uma empresa que trabalha na filosofia ‘maker’, que estava disposta a contribuir na prototipagem dos quiosques.
Conversando todo mundo se entende, e os resultados vieram. Dos 40 quiosques individuais previstos, agora serão 50 duplos, que comportarão 100 comerciantes. O desenho também mudou completamente e os equipamentos foram licitados (e estão sendo entregues) de acordo com sugestões das pessoas que trabalharão lá no dia-a-dia. Uma conquista inédita para o Sintraci, que saiu ainda mais fortalecido de todo o processo.
Os desafios, porém, ainda continuam. Tirando as pessoas ambulantes que não trabalham em pontos fixos, ainda é preciso resolver a questão de cerca de 60 pessoas, quase todas mulheres, que vendem alimentos manipulados (tapioca, mungunzá, coxinhas, sanduíches, essas coisas) e que, em tese, não terão lugar com o final da reforma da Conde. Para isso, estamos tentando negociar com a Prefeitura a criação de ‘Praças da Alimentação” ao longo da avenida e adjacências, sugerindo o uso de parte do terreno da URB ou mesmo negociando com proprietários de lotes que poderiam ser revertidos para o uso público. Aprovamos uma emenda de R$ 50 mil reais, que poderá ser utilizada pela Secretaria da Mulher para fazer formações no que diz respeito a segurança alimentar e higiene dos produtos. Enfim, estamos caminhando – e felizes demais com cada passo que conseguimos dar.
No final do ano passado, também avançaram as negociações com a Prefeitura para a requalificação das barracas que ficam ao redor do Hospital das Clínicas da UFPE. Com um recurso de mitigação de uma obra de impacto e a sessão de uma parte do terreno da universidade, serão construídos quiosques que melhorarão a vida de quem vende e quem frequenta o HC.
Nada como a disposição para lutar e a maturidade para sentar à mesa. Beijo grande, queridagem!
Pêésse: ainda sobre a Conde, o Conselho Municipal das Pessoas com Deficiência reclamou e a gente, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara fiscalizou e viu um monte de coisa errada na acessibilidade do projeto. Na pressão, algumas coisas (nem tudo) foi ajeitado. Mas aí é assunto pra outro dia...