Recife, 02 de março de 2020
Queridagem,
Nem te conto da alegria que me deu a resposta às primeiras cartas. Muita gente interessada em receber as próximas, uma galera massa curiosa por esses relatos tão pessoais de uma aventura que é tão coletiva. Dá uma felicidade danada saber que as pessoas, nossas patroas e nossos patrões, querem saber o que o mandato anda realizando e o que este empregado anda pensando.
Hoje eu queria trocar uma ideia sobre a função legislativa de um mandato parlamentar municipal, sobre suas oportunidades e desafios. Afinal de contas, fazer e votar leis é, no senso comum, uma das principais tarefas de quem ocupa esse espaço. Mas pouco se fala sobre as limitações legais que se tem para se mudar a legislação a partir da Câmara.
“Faz um projeto de lei pra aumentar o salário das professoras?”
“Que tal uma legislação que obrigue a prefeitura a universalizar o acesso à saúde?”
Não pode. Nenhum projeto de lei que gere gasto ao poder executivo pode ter origem na Câmara. Matéria urbanística (aumento ou criação de Zonas Especiais de Interesse Social, por exemplo), também não pode ter sair da casa legislativa.
Claro que esses projetos existem, mas obrigatoriamente estas iniciativas precisam vir da própria prefeitura. O que a gente pode fazer é propor emendas (ao Projeto de Lei que modifica o Plano Diretor, por exemplo, que está tramitando, fizemos 123 das 530 que a Câmara produziu).
Sobre orçamento público, nossa maior possibilidade de incidência é na proposição de emendas e na votação das leis orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual). Mesmo assim é difícil. Legalmente, não se pode sugerir nenhuma alteração no que se caracteriza como custeio. Ou seja, tudo aquilo que se considera despesas fixas do município (salários, manutenção de equipamentos, etc).
Só que, curiosamente, até gasto com publicidade é listado como custeio. Amarradinho pela equipe técnica da prefeitura, o orçamento do Recife é feito de uma forma que praticamente impossibilita mudanças reais por parte do legislativo.
Com mais um elemento: a Lei Orçamentária Anual garante que o prefeito possa, em canetadas, modificar até 15% do orçamento sem nem perguntar à Câmara. Essa grana disponível para a chamada ‘suplementação’ chega a aproximadamente R$ 1 bilhão, dos R$ 6 bilhões anuais que compõem o orçamento da cidade.
E como o prefeito consegue isso?
Com uma ampla maioria na casa.
Dos 39 mandatos que compõem esta legislatura, pelo menos 30 são fiéis ao grupo liderado pelo PSB e, nestes três anos, aprovaram tudo o que a prefeitura leva ao plenário. Desde 2017, nada menos que 129 projetos de lei oriundos do poder executivo já foram votados pela Câmara.
Todos eles aprovados sem maiores dificuldades. Minto. Um deles, que precisava de 3/5 dos votos (24), não conseguiu ser aprovado. Foi o PLE que criaria o Conselho Municipal de Direitos das Pessoas LGBT, que teve voto contrário da base conservadora – sem nenhum esforço da prefeitura em aprová-lo. Sintomaticamente, era um projeto com o qual a gente não apenas concordava, mas lutou muito para tentar aprovar.
Sim, porque mesmo na oposição, não tenho problema em apertar o botão verde numa lei que vem da prefeitura quando achamos ela correta.
Quando não, a gente esperneia, reclama, procura tensionar nos pontos que discordamos, tentamos convencer a turma aqui de que isso é ruim. Em alguns casos, principalmente quando existe mobilização popular (olha aí a palavra-chave!) conseguimos aprovar emendas, que chamamos internamente de “redução de danos”. Mas quando a prefeitura aciona seu “trator”, não tem jeito. Passa tudo e passa mesmo, mesmo com nosso voto (às vezes isolado) contrário.
Quando eu falei sobre isso num programa de rádio, um comunicador procurou me tranquilizar dizendo que isso é normal, que a política funciona assim.
Pois foi pra tentar mudar isso que eu entrei na política.
Com todas essas barreiras, a gente ainda busca protocolar leis que façam sentido, que possam melhorar a vida das pessoas. Pra isso a regra é ouvir a sociedade civil e construir com o máximo de coletivos, pra garantir a participação de quem tá na luta todo dia.
Assim, já propomos 26 novas leis ao Recife nesses três primeiros anos de mandato. Desses projetos, oito já foram ao plenário, sendo sete aprovados. Um dos projetos nossos que eu mais gostava obrigaria a prefeitura a informar o custo de cada peça publicitária na própria peça. Meio assim como é nas placas de obra. Este, mesmo com parecer positivo de todas as comissões, acabou sendo derrotado no plenário depois de fortíssima pressão do poder executivo sobre a sua base.
Entre os que foram aprovados, também está o projeto que garantiria o fornecimento gratuito de água potável em bares e restaurantes – como já acontece em diversas cidades do Brasil. Aprovado no plenário da Câmara, porém, o PL foi vetado pela prefeitura. Quando isso acontece, a proposição precisa voltar ao plenário da Câmara, que tem a prerrogativa de derrubar o veto e fazer a lei valer. E é pra isso que vamos lutar este ano. Também foi vetado um projeto que obrigaria autoescolas da cidade a contratarem intérpretes de libras – mas este se explica por já haver legislação estadual com o mesmo teor.
Cinco projetos nossos já se tornaram leis. Um deles, obriga todos os shopping centers da cidade a terem fraldários disponíveis para homens e mulheres. Outros quatro incluem datas no Calendário Oficial do Recife: o Dia Municipal contra o Encarceramento da Juventude Negra (20 de junho), o Dia Municipal do Teatro (24 de agosto), a Semana Municipal de Vivência e Prática Afroindígena (12 de setembro) e o Dia Municipal da Comunicação Popular (03 de novembro). Cada uma dessas datas nos foi proposta por pessoas e coletivos que atuam nessas áreas. A ideia é fomentar o debate sobre esses temas na educação pública e em outros serviços da cidade, trazendo o racismo, a cultura e a importância do direito à comunicação para a agenda pública.
Entre os nossos projetos que ainda não foram votados tem muita coisa boa. Queremos que a prefeitura disponibilize todos os seus contratos no Portal da Transparência. Com o Sindicato dos Rodoviários, criamos um projeto que vetaria a dupla função cobrador/motorista nos nossos ônibus. Também estamos propondo a instalação de avisos sonoros no interior dos coletivos para informar às pessoas cegas sobre as paradas. A partir do Intervozes e do Ip.Rec, também criamos um projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais, pra prevenir o uso comercial das nossas informações que estão nos cadastros do executivo. Pra combater o racismo institucional e religioso, estamos propondo também uma lei que garantiria o acesso de pessoas que estejam usando indumentárias de sua religião em qualquer órgão público.
Pra cada essas propostas se tornem lei, é preciso esforço e conversa. Para que avancem nas comissões com pareceres positivos, para que a mesa diretora tope colocá-los na pauta e para que, naturalmente, a maioria dos vereadores e vereadoras topem votar a favor. Quanto mais polêmica a proposta, mais difícil cada um desses passos.
Se você quiser saber mais sobre os projetos de lei que a gente anda fazendo (e como eles estão tramitando), não é tão difícil assim. É só abrir o site da Câmara (www.recife.pe.leg.br) e ir lá embaixo, onde tem um quadradinho escrito “SAPL”.
Clicou ali, do lado direito tem um menu. Ali você vai encontrar o pitoco “matérias legislativas”, que, devidamente apertado, vai dar num formulário em que você consegue procurar os projetos por autoria, por assunto ou por ano.
Quer propor alguma lei pra a nossa cidade? Também estamos às ordens. Basta cutucar o mandato em qualquer rede social pra a gente começar a construir junto, formou?
Um cheiro e até a semana que vem!
Hoje eu queria trocar uma ideia sobre a função legislativa de um mandato parlamentar municipal, sobre suas oportunidades e desafios. Afinal de contas, fazer e votar leis é, no senso comum, uma das principais tarefas de quem ocupa esse espaço. Mas pouco se fala sobre as limitações legais que se tem para se mudar a legislação a partir da Câmara.
“Faz um projeto de lei pra aumentar o salário das professoras?”
“Que tal uma legislação que obrigue a prefeitura a universalizar o acesso à saúde?”
Não pode. Nenhum projeto de lei que gere gasto ao poder executivo pode ter origem na Câmara. Matéria urbanística (aumento ou criação de Zonas Especiais de Interesse Social, por exemplo), também não pode ter sair da casa legislativa.
Claro que esses projetos existem, mas obrigatoriamente estas iniciativas precisam vir da própria prefeitura. O que a gente pode fazer é propor emendas (ao Projeto de Lei que modifica o Plano Diretor, por exemplo, que está tramitando, fizemos 123 das 530 que a Câmara produziu).
Sobre orçamento público, nossa maior possibilidade de incidência é na proposição de emendas e na votação das leis orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual). Mesmo assim é difícil. Legalmente, não se pode sugerir nenhuma alteração no que se caracteriza como custeio. Ou seja, tudo aquilo que se considera despesas fixas do município (salários, manutenção de equipamentos, etc).
Só que, curiosamente, até gasto com publicidade é listado como custeio. Amarradinho pela equipe técnica da prefeitura, o orçamento do Recife é feito de uma forma que praticamente impossibilita mudanças reais por parte do legislativo.
Com mais um elemento: a Lei Orçamentária Anual garante que o prefeito possa, em canetadas, modificar até 15% do orçamento sem nem perguntar à Câmara. Essa grana disponível para a chamada ‘suplementação’ chega a aproximadamente R$ 1 bilhão, dos R$ 6 bilhões anuais que compõem o orçamento da cidade.
E como o prefeito consegue isso?
Com uma ampla maioria na casa.
Dos 39 mandatos que compõem esta legislatura, pelo menos 30 são fiéis ao grupo liderado pelo PSB e, nestes três anos, aprovaram tudo o que a prefeitura leva ao plenário. Desde 2017, nada menos que 129 projetos de lei oriundos do poder executivo já foram votados pela Câmara.
Todos eles aprovados sem maiores dificuldades. Minto. Um deles, que precisava de 3/5 dos votos (24), não conseguiu ser aprovado. Foi o PLE que criaria o Conselho Municipal de Direitos das Pessoas LGBT, que teve voto contrário da base conservadora – sem nenhum esforço da prefeitura em aprová-lo. Sintomaticamente, era um projeto com o qual a gente não apenas concordava, mas lutou muito para tentar aprovar.
Sim, porque mesmo na oposição, não tenho problema em apertar o botão verde numa lei que vem da prefeitura quando achamos ela correta.
Quando não, a gente esperneia, reclama, procura tensionar nos pontos que discordamos, tentamos convencer a turma aqui de que isso é ruim. Em alguns casos, principalmente quando existe mobilização popular (olha aí a palavra-chave!) conseguimos aprovar emendas, que chamamos internamente de “redução de danos”. Mas quando a prefeitura aciona seu “trator”, não tem jeito. Passa tudo e passa mesmo, mesmo com nosso voto (às vezes isolado) contrário.
Quando eu falei sobre isso num programa de rádio, um comunicador procurou me tranquilizar dizendo que isso é normal, que a política funciona assim.
Pois foi pra tentar mudar isso que eu entrei na política.
Com todas essas barreiras, a gente ainda busca protocolar leis que façam sentido, que possam melhorar a vida das pessoas. Pra isso a regra é ouvir a sociedade civil e construir com o máximo de coletivos, pra garantir a participação de quem tá na luta todo dia.
Assim, já propomos 26 novas leis ao Recife nesses três primeiros anos de mandato. Desses projetos, oito já foram ao plenário, sendo sete aprovados. Um dos projetos nossos que eu mais gostava obrigaria a prefeitura a informar o custo de cada peça publicitária na própria peça. Meio assim como é nas placas de obra. Este, mesmo com parecer positivo de todas as comissões, acabou sendo derrotado no plenário depois de fortíssima pressão do poder executivo sobre a sua base.
Entre os que foram aprovados, também está o projeto que garantiria o fornecimento gratuito de água potável em bares e restaurantes – como já acontece em diversas cidades do Brasil. Aprovado no plenário da Câmara, porém, o PL foi vetado pela prefeitura. Quando isso acontece, a proposição precisa voltar ao plenário da Câmara, que tem a prerrogativa de derrubar o veto e fazer a lei valer. E é pra isso que vamos lutar este ano. Também foi vetado um projeto que obrigaria autoescolas da cidade a contratarem intérpretes de libras – mas este se explica por já haver legislação estadual com o mesmo teor.
Cinco projetos nossos já se tornaram leis. Um deles, obriga todos os shopping centers da cidade a terem fraldários disponíveis para homens e mulheres. Outros quatro incluem datas no Calendário Oficial do Recife: o Dia Municipal contra o Encarceramento da Juventude Negra (20 de junho), o Dia Municipal do Teatro (24 de agosto), a Semana Municipal de Vivência e Prática Afroindígena (12 de setembro) e o Dia Municipal da Comunicação Popular (03 de novembro). Cada uma dessas datas nos foi proposta por pessoas e coletivos que atuam nessas áreas. A ideia é fomentar o debate sobre esses temas na educação pública e em outros serviços da cidade, trazendo o racismo, a cultura e a importância do direito à comunicação para a agenda pública.
Entre os nossos projetos que ainda não foram votados tem muita coisa boa. Queremos que a prefeitura disponibilize todos os seus contratos no Portal da Transparência. Com o Sindicato dos Rodoviários, criamos um projeto que vetaria a dupla função cobrador/motorista nos nossos ônibus. Também estamos propondo a instalação de avisos sonoros no interior dos coletivos para informar às pessoas cegas sobre as paradas. A partir do Intervozes e do Ip.Rec, também criamos um projeto de Lei de Proteção de Dados Pessoais, pra prevenir o uso comercial das nossas informações que estão nos cadastros do executivo. Pra combater o racismo institucional e religioso, estamos propondo também uma lei que garantiria o acesso de pessoas que estejam usando indumentárias de sua religião em qualquer órgão público.
Pra cada essas propostas se tornem lei, é preciso esforço e conversa. Para que avancem nas comissões com pareceres positivos, para que a mesa diretora tope colocá-los na pauta e para que, naturalmente, a maioria dos vereadores e vereadoras topem votar a favor. Quanto mais polêmica a proposta, mais difícil cada um desses passos.
Se você quiser saber mais sobre os projetos de lei que a gente anda fazendo (e como eles estão tramitando), não é tão difícil assim. É só abrir o site da Câmara (www.recife.pe.leg.br) e ir lá embaixo, onde tem um quadradinho escrito “SAPL”.
Clicou ali, do lado direito tem um menu. Ali você vai encontrar o pitoco “matérias legislativas”, que, devidamente apertado, vai dar num formulário em que você consegue procurar os projetos por autoria, por assunto ou por ano.
Quer propor alguma lei pra a nossa cidade? Também estamos às ordens. Basta cutucar o mandato em qualquer rede social pra a gente começar a construir junto, formou?
Um cheiro e até a semana que vem!