Recife, 11 de fevereiro de 2020
Era 2016 e eu fazia a primeira campanha eleitoral da minha vida, depois da minha primeira filiação partidária. Panfletava numa rua movimentada da cidade.
No santinho, a cara era a minha. Aparentemente não é comum uma pessoa panfletar pra ela mesma.
A profissionalização das campanhas fez com que o corpo-a-corpo, em especial das grandes candidaturas, seja feita por gente contratada. Gente que, via de regra, vê nas eleições “um bico”. Uma oportunidade de ganhar um dinheirinho pra inteirar a feira do mês.
Não era raro alguém estranhar a semelhança entre a foto do panfleto e a cara desse gordinho que o distribuía jogando a isca: “vamos transformar a política?”.
Uma vez, um cara foi direto:
“Você é político?”
“Estou candidato...”
“Então é ladrão”
“Mas nem cargo eu tenho...”
“Mas na política só tem ladrão. Se você não é, está querendo ser”.
Claro que não foi a primeira vez que ouvi isso. Nem a última.
Nas minhas andanças, em especial nas conversas nos ônibus, não é raro alguém falar da dificuldade de manter a honestidade num cargo público.
O sistema é um vampiro, é verdade. Mas depois de pouco mais de três anos de mandato eu preciso vir aqui dizer que é muito possível fazer diferente, sim, jogando dentro da regra e escancarando as portas do poder.
No mandato a gente tem uma regra: só fazemos o que podemos dizer na rua. E assim vamos tocando, aprendendo, sofrendo e celebrando as pequenas conquistas do dia-a-dia.
Uma das primeiras lições, já nos primeiros dias de mandato, foi sobre a estrutura do gabinete.
Eu, que passei a vida vendo a imprensa falando do tanto de grana que o legislativo gasta (e vendo alguns políticos gastando de todo jeito), pensava que era assim.
Você chegava e tinha um recurso mensal para executar. Gastava, prestava contas e pronto.
O primeiro choque foi saber que não tem dinheiro “livre” pra você ordenar.
Pra começar, um mandato nem ordenador de despesas é.
Pra gastar dinheiro, a caneta de vereador não tem tinta.
O que a gente tem de mais valioso é a equipe.
Dezoito pessoas, cada uma com seu próprio salário e sua própria conta bancária.
No nosso gabinete, divulgamos o nome e a função de todo mundo logo no início de 2017.
É essa galera que se dobra e desdobra pra fortalecer os movimentos, aumentar a voz da população em ações de comunicação e dialogar com a institucionalidade na Câmara Municipal e na Prefeitura.
Fora isso tem uma verba indenizatória (teto de R$ 4.600,00) que eu posso usar e ser reembolsado. Mas esse dindim praticamente só pode ser gasto com despesas do escritório (aluguel, condomínio, internet, telefone, material de uso, essas coisas).
Não posso comprar nenhum bem durável acima de R$ 100,00, por exemplo. Exceto poucos computadores e telefones cedidos pela Câmara, em regra os equipamentos individuais, na nossa turma, cada um tem e traz o seu.
Cadeiras, ar-condicionados, mesas, cafeteira, geladeira, tivemos doadas por amigos e amigas ou comprados com o tal auxílio paletó. Ao contrário do que eu pensava, não é grana pra comprar roupa. É um salário a mais que recebemos no início e no final da legislatura.
“Ô, Ivan pra que alugar escritório? Não tem o gabinete?”.
Quem chegar na Câmara vai ver o tamanho da sala e vai entender a necessidade de ter outro lugar pra a equipe poder trabalhar, fazer reuniões com a sociedade e produzir.
Fora isso, ainda tem uma grana de Correios e telefones (que quase não usamos) e duas regalias das quais discordamos: os cartões alimentação e combustível, que somam pouco mais de R$ 5 mil por mês.
Podia devolver? Podia.
Caso fizesse isso, o recurso continuaria na estrutura da Câmara.
Não voltaria para o poder executivo e não poderia ser transformado em política pública.
Nossa solução?
Usar principalmente para fortalecer movimentos e coletivos que comungam nossos princípios, prestando contas de cada centavo em nossos relatórios semestrais.
O do ano passado, por exemplo, você pode acessar com esse link.
Todo mundo (não é pouca gente) que a gente recebe pedindo apoio material ouve esse telelê todinho.
Dói no coração não poder ajudar todo mudo, especialmente grupos que precisam de grana pra realizar eventos, mobilizar a população, produzir materiais, reformar ou pagar as contas das suas sedes.
Mas é importante repassar esses aprendizados, entendendo que essa tarefa de dizer como são as coisas também é nossa.
Se na campanha eu dizia que precisava entrar e sair com a mesma tranquilidade pra botar a cabeça no travesseiro ou sair na rua, o desafio só aumentou no exercício do mandato.
Pra transformar a política de verdade em tempos de criminalização da política, é preciso cumprir à risca as regras do jogo (inclusive as que a gente discorda).
Dá sim.
A gente tá vendo que dá.
Mas precisa de muito mais gente pra se chegar onde a gente quer. Gente fazendo campanha. Gente comprometida com essas causas botando a cara no santinho, juntando a queridagem toda, ocupando gabinetes e coordenando mandatos.
Esse ano tem eleições e quem quiser se candidatar ainda tem até o comecinho de abril pra se filiar num partido.
No PSOL, estamos buscando construir um sonho de cidade na plataforma Recife Arretado e eu tou doido pra, quando chegar na campanha, ter um monte de gente ao meu lado querendo aumentar nossa bancada no legislativo municipal.
Tás afins de transformar a política? Pergunte-me como.
*Essa é a primeira das cartas que eu pretendo escrever pra você todas as semanas, contando um pouco dessa experiência no legislativo. A ideia é postar nas redes so- ciais e por email, mas se você é das antigas, também pode pedir pra receber pelos Correios. Basta mandar seu endereço (físico ou eletrônico) em qualquer inbox do mandato. Um cheiro!