Recife,18 de junho de 2020
Cartas à Queridagem
Booooora, Queridagem!!
Esses dias participei de uma “laive”, dessas que têm nos ajudado a passar o tempo e pensar nas coisas durante esta pandemia que tá tirando todo mundo de tempo. Essa específica marcou o lançamento da cartilha “Ocupe a Política”, feita pela galera do #OcupaPolítica e que dá pra ser lida todinha nas internéticas . Participou uma galera massa, entre parlamentares eleitas nesse grupo e mais uma turma que tá sempre por perto, incentivando e dando instiga pra a gente virar a mesa do poder.
Saí da conversa pensando na decisão que tomei, lá em 2016. O país pelo avesso, ainda buscando compreender as consequências de um golpe que alterou o rumo das coisas. Lembrei do dia em que me filiei no PSOL. De ter conversado com amigos e amigas sobre a possibilidade de sair candidato. De ter pedido permissão às organizações da sociedade civil com quem sempre caminhei para botar a cara num santinho. Do frio na barriga e das borboletas no juízo quando comecei a falar de candidatura.
Naquele momento, o pensamento era fazer a melhor campanha possível. A mais alegre. A mais transparente. Uma campanha que simbolizasse o que a gente queria que a política fosse. Uma coisa leve, aberta, horizontal, colaborativa. Que abrisse os braços pra quem quisesse colar junto. Que entendesse quem são nossos verdadeiros adversários nessa conjuntura tão louca. Que nos desse a oportunidade de falar de temas que muitas vezes são escondidos do debate público. Direito à comunicação, à cultura. Política sobre drogas, direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Essas coisas todas que muita gente considera muito importante, mas que a rapaziada da ‘política tradicional’ acha que não vale a pena.
Aquele grupo que se formou, que acabou ganhando o auspicioso nome de “Agora é Com a Gente”, botou quente demais. Com competência, compromisso, organização e alguma disciplina, conseguimos ‘ganhar a campanha’, primeiro objetivo da gente. E ‘ganhar a campanha’ não é necessariamente vencer as eleições. Nem tem relação direta com voto. Ganhar a campanha é o sentimento de que fez um bom trabalho. É começar e terminar a campanha sem dever nada (especialmente dinheiro) a ninguém. É não prometer nada que não poderá cumprir. É lutar o bom combate sem errar o alvo. É manter o bom ambiente dentro do partido e em casa. É chegar à urna para votar sabendo que não poderia ter feito mais nada além do que já foi feito. E isso, senhoras e senhores, não tem preço.
Dificuldades, tantas que eu nem conto. Fazer uma campanha com pouca grana e sem uma grande estrutura partidária não é fácil. Mas que alegria poder falar com tanta gente sobre nossos sonhos! Que massa poder ver o brilho nos olhos de tanta gente que caminhava junto comigo em tantos anos de lutas nas organizações sociais. Tanta gente nutrida de esperança de poder ter mais voz nas instâncias de tomada de decisão. Tanta gente que se via órfã de representação, agora imaginava que podia mudar essa história.
Conquistamos uma vaga na Câmara Municipal para entender que a nossa caminhada está apenas começando. Nesses quase quatro anos, modéstia às favas, avalio que temos feito um mandato massa.
O desafio da participação popular sendo enfrentado por uma enorme rede composta por dezenas de organizações sociais que a gente conhece, ama e respeita. Grupos que não nos devem nada. Que não estão presos ao nosso grupo político por questões financeiras. Mas que encontram no nosso Gabinete 23 um espaço de acolhimento e de encaminhamento.
Digo que estamos conseguindo ser “uma porta aberta na institucionalidade” pra um monte de grupos que, nas suas pauta, está na linha de frente da luta por direitos. Cientes de nossas limitações, a transparência é um elemento que, além de nos colar no lugar em que queremos estar, nos protege.
Um de nossos mantras é que “a gente só faz o que puder dizer na rua”.
Acredite: pra quem está na política formal, isso é forte demais.
Nesses quatro anos os aprendizados foram tão grandes que me obrigaram a escrever essas cartas. E agora, na reta final desse primeiro ciclo, a proximidade de mais um período eleitoral nos chama a atenção. E vou te contar um negócio: é bem difícil estar sozinho nessa luta institucional.
Não me entenda mal. Estar num parlamento implica em querer e saber lidar e dialogar com quem você discorda. Faz parte da tarefa. Também é natural, saudável e necessário encontrar convergências, ainda que pontuais, com outros mandatos. Posso dizer sem medo que fiz aliados na Câmara do Recife. Parlamentares que, nas diferenças, aprendi a respeitar e a encontrar um nível de confiança que nos permite construir além dos limites de nosso mandato. Mas sinto falta de mais gente ‘da nossa turma’. De mais gente pra dividir tarefas, pra incidir com mais força, pra poder fortalecer nossas posições e – quem sabe – começar de verdade uma necessária virada de mesa no jogo do poder.
Por isso me empolga tanto a movimentação do “Ocupa Política” e me anima tanto estar ao lado desses grupos que já elegeram 18 mandatos em tudo quanto é casa legislativa Brasil afora. Aqui mesmo, em Pernambuco, esse mesmo Agora é Com a Gente teve uma função importantíssima na construção da candidatura coletiva das Juntas CoDeputadas, eleitas como o primeiro mandato coletivo feminista da história do nosso país. Não é pouca coisa. Cinco mulheres diferentes e rochedas, cada uma ‘na sua praia’ fazendo a diferença de mãos dadas, entre elas minha amiga de sonho e de luta há mais de vinte anos, Carol Vergolino, que também foi candidata pela primeira vez.
Digo sem medo de errar: a Assembleia Legislativa de Pernambuco jamais será a mesma depois dessas mulheres.
Para 2020, temos planos ousados. Lá em Minas Gerais, a galera das Muitas já tá tocando uma “Escola de Campanhas” pra chacoalhar dezenas de candidaturas por todo o estado. Aqui em Pernambuco, estamos fazendo o mesmo no mês de julho (fique atenta aos próximos capítulos). A ideia é que a gente vire esse ano com muuuuita gente diferente representando de verdade a maioria da população na maior quantidade possível de espaços institucionais. Que fique negritado: ninguém aqui tá dizendo que a política formal é a única saída para a monstruosa crise pela qual estamos passando. É imprescindível que tenhamos cada vez mais movimentos sociais, coletivos e organizações fortes e potentes atuando ‘do lado de fora’, construindo alternativas e elevando cada vez mais a barra da justiça e da radicalidade democrática. Mas se a gente, que quer mudar o mundo para melhor, continuar ignorando a importância de se disputar o poder ‘aqui de dentro’, eu tenho pra mim que a coisa ainda vai ficar muito mais feia do que a gente imagina.
Ivan Moraes
Vereador do Recife
Obs.: Depois do lançamento da cartilha do Ocupa Política, o pesquisador André Sales, que se interessa por inovações políticas, ações coletivas, movimentos sociais, protestos, e pelas pessoas que fazem isso, me procurou pedindo um prefácio para seu novo livro. Tenho pra mim que esta carta é ele.