Querida queridagem,
É verdade que não ia ter carta durante a crise do coronavírus. A gente queria (e quer) evitar ao máximo as chances de contágio, então realmente não vale a pena ficar bulindo em centenas de papeis e envelopes pelo menos enquanto durar a necessária política de isolamento. Mas quem disse que eu aguentei ficar sem escrever pra vocês? Então, até essa mazela passar, vamo combinar de continuar escrevendo e publicando onlinemente? Eu sei que imeius e postagens não têm a mesma poesia da cartinha que chega pelos Correios. Mas pelo menos a gente não deixa de se falar.
Hoje tá fazendo um mês em que eu estou guardadinho em casa com a família. Aqui somos eu, a companheira e um filho de quase dois anos. Tenho outra filha, adolescente, que está comigo e que se reveza a cada quinze dias entre nosso convívio e o da mãe, que mora aqui perto. A rotina é cuidar do bebê, de todas as outras tarefas domésticas e ainda arregaçar as mangas pra trabalhar todos os dias. Na nossa família o revezamento é meio a meio. Enquanto uma pessoa atua profissionalmente, a outra cuida da casa e da criança. A cada duas horas, invertemos.
Tenho percebido que esse aumento nas obrigações domésticas e a impossibilidade de sair de casa acabam sendo bons motivos pra a gente prestar mais atenção no cuidado ao lar e na forma com que as tarefas são divididas. É tempo de refletir sobre machismo, classismo, sobre a importância de todo mundo fazer um pouquinho e se ajudar cada vez mais. Até porque, fazer textão é muito mais fácil do que lavar banheiro. Mas a tarefa que a gente cumpre acaba nos definindo muito mais do que o blablablá que sai da nossa boca ou dos nossos posts.
Ao mesmo tempo em que o ambiente familiar precisa de mais atenção, o trabalho não para. Aliás, fica mais penoso e mais difícil também. Administrar uma equipe, por mais comprometida que seja, não é fácil. Imagina com todo mundo à distância, fazendo suas tarefas de casa, cada pessoa submetida às próprias dificuldades (tarefas domésticas, problemas com internet, telefone, dificuldade de acesso às parcerias). O que salva é que todo mundo que atua no mandato tem um senso de comprometimento absurdo e um amor gigantesco por esta nossa tarefa. Digo sem medo de errar: a ralação de cada pessoa que trabalha num gabinete legislativo é tão importante quanto a do parlamentar, cada qual na sua função.
A demanda ao mandato também aumentou. Vai desde questões de sempre (problemas de infraestrutura, denúncias de ineficácia do poder executivo) até “novidades” como dúvidas sobre o Corona, sugestões à prefeitura, demandas de categorias que estão enfrentando a pandemia e inúmeros pedidos materiais. Esses últimos, como sempre, a gente não consegue atender individualmente. Mas estamos utilizando nossa estrutura para apoiar fortemente todas as organizações parceiras que estão realizando campanhas nesses tempos. São dezenas de iniciativas territoriais que têm botado a faca no dente tanto para informar as pessoas de que elas precisam ficar em casa quanto para garantir condições para que todas possam se proteger. Apoiamos na comunicação, na busca e inscrição de projetos junto a fundações e na articulação com outras parcerias. Lembra aquele cartão alimentação que, no nosso mandato, serve principalmente para apoiar atividades de organizações de direitos humanos? Como todos os eventos públicos estão suspensos, a grana tá indo todinha para comprar alimentos e material de higiene para campanhas da sociedade civil. O de combustível serve justamente pra fazer as doações chegarem. Até agora, apoiamos simbolicamente 15 campanhas em 15 bairros com quase R$ 4 mil. Lá no nosso Instagram tem um destaque especial com um monte delas que tão rolando. Independente de quanta grana você tem ou se pode meter a mão no bolso, vale muito a pena conhecê-las e buscar se integrar a alguma. Para acessar, clica aqui: https://bit.ly/iniciativas_apoio_Corona
As sessões na Câmara permanecem acontecendo, embora de forma remota, através de um desses tantos aplicativos de videoconferência que tão bombando nesses tempos. Para a democracia, é importante que o legislativo mantenha-se funcionando. Mas nem se compara votar sozinho, na frente do computador, com um debate acalorado que acontece vez em quando com galerias cheias na Casa José Mariano.
O foco principal das votações têm sido projetos de lei da Prefeitura sobre a crise do corona. Até porque iniciativas que gerem custo ao executivo só podem sair de lá mesmo. Assim, aprovamos leis que concedem descontos pra quem quiser (e puder) antecipar o IPTU do ano que vem e que garantem pensão especial aos dependentes de quem trabalha na área de saúde que venha a falecer no exercício das suas atividades presenciais durante este período, entre outras.
Mesmo com o diálogo limitado junto ao poder executivo (que tem uma dificuldade enoooooorme de ouvir a aceitar contribuições que venham de fora de seu núcleo duro), a gente não se acanha de dizer o que pensa e de buscar fazer-se ouvir. Nas sessões online, por telefone, por zap, pelas redes sociais ou por sinais de fumaça a gente vem insistindo em chamar a atenção para o cuidado especial que precisa ser dado à população em situação de rua, pessoas que vivem em comunidades de interesse social, às profissionais de saúde, educação e assistência social. Também ouvimos dezenas de profissionais da cultura e elencamos, com as Juntas Codeputadas, uma série de propostas à Prefeitura e ao Governo do Estado para que as pessoas que atuam no setor possam sobreviver à crise.
Um desafio permanente é manter o juízo em dia. Pra um cabra abraçador feito eu, não tem sido fácil ficar em casa sem ver gente ‘ao vivo’, sem falar olhando no olho, sem dar beijo na bochecha. Sinto falta dos amigos, do cinema, do futebol. Sinto falta dos protestos, das audiências públicas lotadas. Sinto falta dos shows de música e de pedalar pela cidade reclamando do sol.
Mesmo vivendo um ambiente familiar de muito amor, o convívio permanente é puxado, especialmente quando praticamente não se tem tempo pra descansar – nem nos finais de semana. Cozinhando e comendo em casa todo dia, a louça parece dar cria na pia da cozinha. Sábado é dia de faxina e, até a semana passada, esse era o máximo de exercício que eu vinha fazendo. Tem ajudado muito, pelo menos uma vez por dia, mesmo que durante uma reunião virtual, passar uma horinha caminhando no térreo do prédio onde moro. Desligo a câmera, deixo o fone ligado no ouvido, e sigo conversando e andando. De vez em quando, munido de álcool em gel, também levo o bebê pra chutar um pouquinho a bola e ver que existe um céu lá em cima.
Às vezes me paro olhando pela janela. Meu prédio é baixinho e a vista não é vasta. Mas vejo a rua. Vejo um pé de manga, um de jambo, um de carambola. Ouço cada vez mais passarinhos à minha volta. Voam borboletas, cantam cigarras. Busco a poesia das pequenas coisas. Do menino aprendendo a falar. Do feijão bem temperado. De uma conversa mais profunda com a filha adolescente. Procuro olhar para o corpo, imagino formas de sentir-me melhor durante a própria crise que não tem nenhuma previsão de se acabar tão cedo.
Mas não posso mentir: penso o tempo todo no depois. Sim, não sei quando ele vem. Mas sei que ele vem. E penso no tanto que podemos (precisamos!) aprender com esses tempos. O que nos trouxe até aqui? Para onde esses ensinamentos podem nos levar? Será que vamos vencer o corona (e o que mais vier) nos comportando da mesma maneira que antes? Será que vamos entender a importância de cuidar e garantir os direitos das pessoas menos privilegiadas? Será que vamos entender que juntar dinheiro, pelo dinheiro, não serve para nada? Que nós, as gentes, precisamos conviver com a natureza em harmonia?
Certezas, tenho nenhuma. Desejos, cada vez mais.
Até a semana que vem, gente linda.