Cartas à Queridagem
Recife, 4 de junho de 2020
Salve, Queridagem
Espero que esteja todo mundo o melhor possível diante desta pandemia. Tenho dito que “estar bem” nunca foi tão relativo. É tanta gente que a gente já perdeu pra esse vírus e pro descaso histórico com a saúde pública que dá uma tristeza danada só de abrir o computador e ver os relatos de redes sociais que às vezes parecem mais obituários.
E diante dessa que é a maior crise sanitária da idade contemporânea, no Brasil o Covid19 não tá sozinho ocupando as manchetes dos jornais. Sim, porque na época em que a gente mais precisa de um Estado forte, que tome à frente das decisões e cuide de seu povo, simplesmente temos o governo mais irresponsável de todos os tempos no comando do nosso país.
Infelizmente, não é surpresa. Um deputado medíocre que passou décadas no Congresso abraçado com o voto ultraconservador de quem tem saudades da ditadura civil-militar nunca se fantasiou de ovelha. Sempre se posicionou a favor de milícias, de torturadores, contra os direitos humanos, contra a República, contra as instituições. Alçado a “mito” numa estratégia que envolve caixa dois e disparos ilegais de notícias falsas, acabou sendo eleito mas jamais abandonou a postura de candidato.
De meu lugarzinho, eu bem que tentei que fosse diferente, junto com tanta gente. Lembro demais a hoje co-deputada pelas Juntas, minha amiga Carol Vergolino, saindo de casa todos os dias bem cedinho pra olhar no olho do povo e virar voto. Da tribuna da Câmara, botei na cabeça de falar todos os dias entre o primeiro e o segundo turnos. Em todas as vezes, deixei negritado que não estávamos diante de uma simples disputa de esquerda contra direita. O destino nos colocou na missão de escolher através do voto entre uma candidatura que defendia a democracia e as instituições e outra que as atacava. Disse com todas as letras, num pronunciamento, que se estivéssemos escolhendo entre Bolsonaro e a candidatura do PSDB, não me envergonharia de fazer campanha para o 45. Mas num pleito com recorde de abstenções e votos brancos e nulos, ganhou o mais votado – mesmo sem a maioria dos votos.
Já no poder, o sujeito montou um antiministério composto por pessoas que aparentemente têm como objetivo o fracasso de suas próprias pautas. O ministro do Meio Ambiente é contra a natureza, o das Relações Internacionais é contra a diplomacia. O da Educação, contra a universalização do ensino formal… Na Saúde, Bolsonaro acabou fazendo com que um deputado conhecido por proteger interesses dos planos de saúde, quando ministro acabasse parecendo um ferrenho defensor do SUS. Agora, na falta de alguém que se disponha a assinar um protocolo indicando um medicamento sem eficácia cientificamente comprovada, este governo inova ao ficar sem ministro da Saúde por uns tempos.
Suspeita de crimes? Um monte. Além dos crimes eleitorais que já deveriam ter feito o Tribunal Superior Eleitoral cassar a chapa inteira, Bolsonaro soma investigações por falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção ativa e passiva. É pouco? Pois eu acho mais do que suficiente pra fazer a gente entender que, tão importante quanto vencer a pandemia de um vírus que não tem ideologia política, é a gente se livrar de um antigoverno comandado por uma pessoa de má índole, que entrou na vida pública para fazer dinheiro e abusar do poder. Que tem como objetivos de vida proteger-se a seus filhos bandidos das garras da justiça.
Bolsonaro faz um antigoverno que celebra as desgraças por ele trazidas à sociedade.
Olha que, no iniciozinho de 2019, eu era um dos que apostava na importância de que este governo chegasse ao final dos quatro anos. Afinal, nada mais eficaz do que uma retumbante derrota eleitoral para se exterminar de uma vez ideias fascistas. Mas a verdade é que não dá mais para viver sob um governo psicopata que comete atrocidades atrás de atrocidades, a ponto de deixar parte da sociedade anestesiada. O escândalo virou normalidade no país e é preciso que esse processo se interrompa, sob o risco de mais mortes e de completo esfacelamento de nossas instituições.
De uns meses pra cá, tenho reiteradamente pedido o fim oficial deste governo. Como boa parte da esquerda, acredito que o mais justo seria a derrubada da chapa inteira por crimes eleitorais, função que é do TSE. Mas topo renúncia também. E topo também impeachment. Na Câmara, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, já conta mais de 30 pedidos vindos de todos os lados. Recentemente, assinei um desses, junto com as bancadas de seis partidos e mais de 500 representações de movimentos sociais.
“Mas Ivan, e Mourão?”. Não me apetece em nada o vice-presidente. Não me agradam suas declarações preconceituosas nem suas críticas mal informadas ao décimo terceiro salário e outros direitos trabalhistas. Recentemente, repudiei mais uma fala sua que criminaliza movimentos sociais. Mas também entendo que nada pode causar tanto mal ao que sobrou de nosso país quanto a permanência no comando de um presidente que não se envergonha de usar referências nazistas e fascistas nos seus posicionamentos e que não se preocupa diante de uma crise sanitária que já ceifou mais de 30 mil vidas brasileiras.
Adotei um protocolo. Posso não me alinhar nem construir todas as iniciativas pluripartidárias que vejo aparecerem neste momento. Mas as bendigo. A partir dessa semana, começo todos os meus pronunciamentos na Casa José Mariano com “Fora Bolsonaro”.
Convidarei colegas de parlamento, de todos os partidos, a fazermos o mesmo. Quero continuar discordando da maioria deles (como de fato discordo). Mas quero viver num país em que esta discordância é possível.
Fora Bolsonaro já. Do jeito que for. O quanto antes.