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O que VOCÊ precisa fazer pela democracia?

8 de novembro de 2024

Depois do “Dia Nacional do Que a Esquerda Precisa Fazer”, tivemos esta semana seu equivalente mundial. Numa disputa acirrada, o bilionário reacionário e misógino Donald Trump venceu a democrata Kamala Harris e voltará ao poder.

Mesmo com prognósticos que indicavam o quão difícil seria derrotá-la, o êxito da extrema direita caiu como uma bomba em todo o planeta, reacendendo o debate sobre o que se deve fazer para que se possa eleger governos que estejam verdadeiramente interessados em garantir justiça social, distribuir riqueza e zelar pelos Direitos Humanos de todas as pessoas, garantindo suas liberdades individuais e respeitando as diferenças entre nós (se quiser chamar isso de “esquerda”, fique à vontade).

Para quem vive no Brasil, com um governo de frente amplíssima e refém de um Congresso fisiologista, após eleições municipais dominadas pelo mesmo fisiologismo, com personagens de extrema-direita fortalecidos e pouquíssimas (para ser otimista) opções no campo progressista, a situação parece ainda pior.

Digo mais: nenhuma análise pode esquecer que se não fosse a presença do indivíduo Lula nas urnas, possivelmente teríamos assistido a uma radicalização do regime teomilitarista que ocupou o poder de 2018 a 2022.

Não me arvoro a dizer que tenho respostas. Mas entendo, por exemplo, que não se conquista nada na vida (na política muito menos) sem que haja pessoas implicadas, comprometidas com estes avanços. Sendo assim, mais que os bem vindos pitacos, orientações e ‘cagações de regra’ em geral, me interessa saber quem está disposto a levar estas ideias e sugestões adiante.

Este texto, portanto, deve ser entendido como o ponto de vista de um militante social há mais de 20 anos, que há oito anos compreendeu que precisava participar da política institucional. Nos aprendizados deste tempo, uma certeza: se for pra mudar as coisas de verdade, contando-se apenas com quem já está neste jogo, esqueça! Mas esqueça mesmo. Entre todas as muitas armas utilizadas na batalha da política, a presença física de pessoas dispostas a fazer a diferença é uma das mais raras e valiosas.

Aqui, proponho reflexões sobre alguns dos “ensinamentos” que povoam o debate público há décadas e que, com as redes sociais, ressurgem pelo menos a cada biênio. Então vamos lá.

“A esquerda tem que voltar às suas bases” - Esse mantra origina-se na percepção de que, quando conquistaram o poder, os partidos de esquerda, em suas estruturas orgânicas, deixaram de lado o trabalho comunitário, de educação política, particularmente em territórios rurais e periféricos. Por mais que seja verdade que, a partir da ascensão do PT, a vida de muitas pessoas melhorou, também é verdade que nem todo mundo compreende a relação entre esta melhora e as políticas públicas que a originaram.

Isso faz muito sentido, é verdade. Mas aí eu penso no Grupo Mulher Maravilha, de Nova Descoberta. Penso na Associação de Três Carneiros. Penso na ralação da moçada do Cores do Amanhã, no Totó. No Espaço Mulher, de Passarinho. Na rapaziada do Comitê Popular da Bacia do Rio Tejipió. No povo do Caranguejo Uçá, na Ilha de Deus… só pra citar algumas organizações que acompanho, que visito, que converso, que busco apoiar.

São grupos rochedos que buscam fazer a diferença em suas comunidades, inclusive com educação política. Sabe o que essa turma mais precisa? De dinheiro e de estrutura. Recursos que um mandato não pode legalmente garantir, por exemplo. Que um partido normalmente não dispõe de forma discricionária. Que podia, muito bem, ser garantido por essa classe média massa, descolada e preocupada que agora tá desesperada chorando as mágoas na festinha da sexta-feira.

“A esquerda tem que aprender a se comunicar” - É um ensinamento que eu ouvi pela primeira vez no ensino médio, num momento ‘pré-internético’. Naquele tempo a gente já vivia às voltas com a invisibilidade e a criminalização de movimentos sociais que lutavam por direitos. A conjuntura era de hegemonia do oligopólio brazuca da radiodifusão, controlada pelos seus três ou quatro homens brancos e ricos de sempre.

A gente podia fazer jornalzinho, panfleto, cartaz, a porra toda. Mas os caras tinham simplesmente o controle de toda a narrativa que se enfiava goela abaixo do Brasil inteiro, ditando inclusive qual sotaque era legal e para que time deveríamos torcer. Com os novos tempos, o discurso agora é que a gente tem que “aprender a usar as redes sociais, do jeito que a direita usa”.

De fato. A “direita”, que é proprietária de boa parte das plataformas pela qual nos comunicamos, realmente “sabe” fazer. Sabe usar robôs, sabe criar algoritmos que impulsionam discursos de ódio, sabe capitalizar em cima de desgraças, sabe assassinar reputações pelas redes e sabe estimular as fissuras no campo adversário. Nem é tão difícil aprender. Difícil é achar que, comportando-se da mesma forma com que o opressor se comporta, continuaremos sendo quem somos. Mais difícil ainda é achar que, no campo deles, com as ferramentas que eles criam e utilizam praticamente sem regras ou controles, poderemos disputar.

Que tal se todo mundo que gosta de democracia e que está preocupado (inclusive quem não é de esquerda) se interessasse em lutar por uma regulação nesses canais, responsabilizando-os quando houver censura, discurso de ódio, promoção de notícias falsas? Que tal se todo mundo que quer nos ensinar se juntasse a nós comunicando olho-no-olho, como se fazia antigamente? O hiperpresencial, não por acaso, foi estratégia vitoriosa na campanha de López Obrador, no México, em 2018. Tu topa?

“A esquerda tem que se aproximar do centro” - Um dos mandamentos mais em voga hoje em dia é de que, para o campo progressista ter mais chances de vitória, ele tem que se parecer cada vez menos com o campo progressista. “O PT tem que aprender a fazer amigos”, disse uma comentarista na televisão um dia desses, esquecendo que até o União Brasil (cria do PSL com o DEM) está na base do presidente Lula. Esquecendo, ela, das concessões que o Governo Federal tem feito ao agronegócio, ao fundamentalismo cristão, aos militares e aos bancos - segmentos que, mesmo com todos estes gestos, recusam-se a retribuí-los e vociferam querendo mais.

Mais curioso ainda é que se ousa dizer isso num tempo em que a direita se fortalece mais na medida em que se radicaliza. Até porque, não se engane: a “polarização brasileira” se dá entre a extrema direita e a centro-esquerda. Buscando sair do buraco e fortemente aliada com o Centrão, o sentimento da velha direita sobrevive.

E se a gente tivesse menos vergonha de falar dos nossos sonhos mais bonitos? E se a gente voltasse a demandar reforma agrária para garantir comida na mesa? E se a gente defendesse sem meias palavras a captura de bens privados que não cumprem sua função social (como prédios abandonados) para dar-lhes uso público? E se a redução da jornada de trabalho e a renda básica universal estivessem na ponta das nossas línguas? E se a gente dissesse, com todas as palavras, que queremos a legalização das drogas para que menos gente seja presa e mais gente possa ser cuidada? E se a gente perdesse a vergonha de falar de aborto?

“A esquerda tem que voltar às ruas” - Vou te dizer que desse chamado eu gosto. E lembro que foi justamente nos dois primeiros governos petistas que eu mais vi gente na rua. Mais do que bater palma para tudo o que o governo fazia, a gente estava sempre lá, cobrando. Entre Lula 1 e Dilma 2 a gente protestou pela reforma agrária, pelo direito à moradia, contra a reforma da previdência, pela saúde reprodutiva das mulheres, contra a lei de terceirizações, a favor da comunicação comunitária, por uma regulação democrática da TV Digital e mais um monte de coisa.

Nesse ponto, as jornadas de 2013 parecem ser um ponto de inflexão. Depois dessas cacofônicas manifestações que reuniram milhões no Brasil inteiro e que acabaram com o estoque de cartolina nas livrarias, a maior quantidade de gente que se viu nas ruas foi no estigmatizado “Ele Não”, em que as mulheres corretamente levantaram a voz contra a extrema-direita e acabaram equivocada e machistamente levando a culpa pela derrocada de Fernando Haddad.

De lá para cá, por incrível que pareça, as organizações sociais seguem convocando pelo menos no chamado calendário de lutas. Cada vez mais esses espaços têm sido mais momentos de confraternização de militantes do que realmente de conquistas sociais ou de sensibilização de mais pessoas.

Seria massa mesmo que a gente ocupasse mais o espaço público, se fizesse mais visível, promovesse festas lindas e criasse junto um mundo melhor. Mas entre o canal de streaming, o tigrinho do azar, as mesas de bar, o jogo da galera e brigar no grupo do zap com os amigos, parece que a rapaziada tá sem tempo. Se eu te chamasse pra um protesto qualquer dia desses, tu ia?

Edição: Vinícius Sobreira /Brasil de Fato Pernambuco